Sistema de pagamento do BRICS avança e promete transformar o comércio internacional
Durante a 17ª Cúpula do BRICS realizada no Rio de Janeiro, em julho de 2025, os países membros deram passos decisivos para a criação de um sistema de pagamento do BRICS próprio. A iniciativa visa aumentar a autonomia financeira do bloco, reduzir a dependência do dólar e estimular o uso de moedas locais em transações internacionais. Com potencial de reconfigurar o sistema financeiro global, o projeto sinaliza um novo capítulo para a integração econômica do Sul Global.
Composto por 11 países-membros permanentes, o BRICS — originalmente formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul — atualmente representa 39% do PIB mundial, quase metade da população global e mais de 23% do comércio internacional. A criação de um sistema de pagamento do BRICS almeja consolidar esse peso econômico por meio de uma estrutura de liquidação financeira independente e tecnologicamente avançada.
O que é o sistema de pagamento do BRICS?
O sistema de pagamento do BRICS será uma plataforma integrada para transações financeiras entre os países membros. Seu objetivo é permitir a interoperabilidade entre sistemas nacionais, promovendo eficiência, agilidade e segurança nas transferências internacionais. Isso significa que empresas e governos dos países do bloco poderão realizar pagamentos entre si utilizando diretamente suas moedas locais, sem necessidade de conversão via dólar americano.
Essa mudança representa uma ruptura significativa com o modelo tradicional de comércio exterior, no qual o dólar atua como intermediário em quase todas as operações. Ao utilizar um sistema próprio, os países do BRICS reduzem custos operacionais, exposição cambial e aumentam sua independência frente a sanções e instabilidades geopolíticas.
Interoperabilidade como pilar da inovação
Um dos grandes desafios para a implementação do sistema de pagamento do BRICS está na interoperabilidade entre os sistemas nacionais de pagamento. Isso exige que diferentes plataformas — como Pix no Brasil, UPI na Índia e CIPS na China — sejam capazes de se comunicar em tempo real, mantendo a segurança e a integridade das transações.
A Força-Tarefa de Pagamentos do BRICS, criada para liderar os estudos técnicos, apresentou um relatório durante a cúpula que destaca os avanços já obtidos. A prioridade agora é adotar tecnologias que garantam integração entre as infraestruturas financeiras existentes, respeitando as particularidades de cada país.
O Banco Central do Brasil, por exemplo, elaborou o documento “Sistema de Pagamentos Transfronteiriços do BRICS”, apontando os requisitos para uma arquitetura segura, de baixo custo e alta escalabilidade. O relatório serve de base para as próximas fases do projeto.
Fortalecimento das moedas locais
A utilização de moedas locais é um dos eixos centrais da nova estrutura. Com o sistema de pagamento do BRICS, será possível negociar em reais, rublos, rúpias, yuans e rands, entre outras moedas dos países membros, sem a necessidade de conversão prévia em dólar.
Essa estratégia reduz significativamente o impacto de flutuações cambiais, protege as economias emergentes de crises externas e contribui para a formação de cadeias produtivas mais integradas. Também facilita a entrada de pequenas e médias empresas no comércio internacional, democratizando o acesso a mercados antes dominados por grandes conglomerados multinacionais.
Menor dependência do dólar
Reduzir a dependência do dólar tem sido uma meta comum entre os países do BRICS, especialmente diante de um cenário global cada vez mais volátil e politizado. A criação de um sistema próprio de pagamentos busca diminuir a vulnerabilidade do bloco frente a sanções unilaterais impostas por potências ocidentais.
Além disso, um sistema alternativo reduz o custo de transações internacionais e amplia a margem de manobra dos bancos centrais em momentos de crise, fortalecendo a resiliência financeira dos países participantes.
Acordo de Reservas Contingentes (ARC) será expandido
Outro componente fundamental do projeto é a ampliação do Acordo de Reservas Contingentes (ARC), mecanismo criado em 2014 com o objetivo de oferecer liquidez e suporte financeiro mútuo em momentos de instabilidade cambial. Durante a cúpula, foi discutida a inclusão de novas moedas no ARC, tornando-o mais eficaz e representativo da nova realidade do bloco.
A revisão também permitirá que novos países integrantes se beneficiem do fundo, reforçando o papel do ARC como instrumento de estabilidade regional e alternativa viável ao FMI em situações emergenciais.
Transição ecológica e linha de garantia multilateral
A agenda climática também ganhou espaço nas discussões. O BRICS pretende lançar uma linha de garantia multilateral voltada para financiar projetos sustentáveis, com foco na transição ecológica. O mecanismo será gerido pelo NBD (Novo Banco de Desenvolvimento), conhecido como o Banco dos BRICS.
A proposta não exigirá aportes financeiros adicionais dos países-membros. Em vez disso, utilizará garantias como forma de reduzir riscos em projetos verdes, atraindo capital privado para investimentos em infraestrutura limpa, energias renováveis e tecnologias de baixo carbono.
Obstáculos à implementação do sistema
Apesar dos avanços, o sistema de pagamento do BRICS ainda enfrenta obstáculos importantes. Entre os principais desafios estão:
-
A harmonização jurídica entre legislações distintas;
-
A estabilidade política de alguns países do bloco;
-
As diferenças cambiais e estruturais nas economias participantes;
-
A desigualdade tecnológica e de infraestrutura financeira.
Superar essas barreiras exigirá cooperação intensa entre os governos, além de investimento em capacitação técnica e fortalecimento institucional.
O BRICS em números
A representatividade do BRICS no cenário global não deixa dúvidas sobre sua importância estratégica. Com a inclusão de novos países, o bloco agora conta com:
-
39% do PIB mundial
-
48,5% da população global
-
23% do comércio internacional
Em 2024, os países do BRICS foram responsáveis por 36% das exportações brasileiras e por 34% das importações, consolidando-se como principais parceiros comerciais do Brasil.
O avanço nas negociações para o sistema de pagamento do BRICS representa mais do que um projeto técnico: é um passo simbólico e concreto em direção a uma ordem financeira mais multipolar, descentralizada e inclusiva.
Se implementado com sucesso, o sistema poderá não apenas facilitar o comércio entre os países membros, mas também servir como modelo para outras coalizões econômicas do Sul Global. A presidência indiana do BRICS em 2026 será crucial para consolidar os próximos passos e transformar essa visão em realidade.
Ao proporcionar mais autonomia, reduzir custos e democratizar o acesso ao comércio internacional, o sistema de pagamento do BRICS pode se tornar uma das inovações mais impactantes da década no cenário financeiro global.