Governo recua no aumento do IOF para investimentos no exterior e mantém alíquota reduzida

Governo volta atrás e recua no aumento do IOF para investimentos no exterior: entenda o impacto no mercado e nas finanças públicas

Recuo do governo após reação negativa do mercado redefine alíquotas do IOF para aplicações internacionais e remessas ao exterior

Em um movimento surpreendente, o Ministério da Fazenda anunciou, na noite de quinta-feira (22), uma mudança na decisão que alteraria a cobrança do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) para investimentos de fundos nacionais no exterior. A medida, inicialmente planejada para ampliar a arrecadação federal em até R$ 41 bilhões até 2026, teve parte de seu conteúdo revertido apenas seis horas após sua divulgação oficial. O recuo mostra como a pressão do mercado financeiro pode influenciar diretamente decisões fiscais do governo, sobretudo em um cenário de alta sensibilidade econômica.

A decisão ocorreu após forte reação de investidores e analistas, o que levou a uma reunião emergencial no Palácio do Planalto, marcada pela ausência do ministro da Fazenda, Fernando Haddad. O recuo evitou a aplicação da nova alíquota de 3,5% para remessas ao exterior destinadas a investimentos, mantendo-a nos atuais 1,1%. Além disso, manteve-se a isenção do IOF para fundos nacionais que aplicam no mercado internacional.

Alvo da medida: arrecadar até R$ 41 bilhões com novo IOF

O plano inicial da equipe econômica era ambicioso: aumentar a carga tributária do IOF para gerar R$ 20,5 bilhões em 2025 e R$ 41 bilhões em 2026. A padronização do imposto atingiria uma ampla gama de operações financeiras, inclusive créditos concedidos a empresas do Simples Nacional. No entanto, a reação imediata dos agentes econômicos e as consequências sentidas no câmbio e na bolsa de valores forçaram uma reavaliação do impacto econômico e político das mudanças propostas.

Na prática, a ideia era tornar a cobrança do IOF mais homogênea, eliminando brechas e garantindo mais previsibilidade à arrecadação federal. Contudo, ao incluir fundos nacionais com atuação internacional e aumentar a alíquota para remessas, a medida encontrou resistência tanto no setor financeiro quanto no meio político.

Impacto no mercado: dólar sobe e bolsa recua

As reações do mercado à publicação do decreto original não demoraram. Ainda na quinta-feira, antes do anúncio do recuo, o dólar comercial inverteu a tendência de baixa observada durante o dia. A moeda norte-americana, que chegou a ser negociada a R$ 5,59, terminou o dia cotada a R$ 5,66. A bolsa de valores também foi afetada, revertendo ganhos e encerrando o pregão com queda de 0,44%.

Essa volatilidade acendeu o alerta em Brasília. A percepção de instabilidade financeira gerada por uma medida fiscal mal calibrada pode afastar investimentos estrangeiros e comprometer os esforços de recuperação econômica. Foi nesse contexto que o governo decidiu recuar, reafirmando o compromisso com a previsibilidade econômica.

A decisão técnica por trás do recuo

Segundo o Ministério da Fazenda, a reversão foi baseada em “diálogo e avaliação técnica”. Em nota divulgada nas redes sociais, a pasta confirmou a renovação do decreto 6.306/2007, mantendo a alíquota zero de IOF para as operações de câmbio relacionadas a investimentos internacionais de fundos nacionais. A medida visa preservar a competitividade dos fundos brasileiros no mercado global e evitar fuga de capitais.

A alíquota para remessas ao exterior, que havia sido elevada para 3,5%, voltou ao patamar anterior de 1,1%, o que reduz o custo de operações internacionais realizadas por investidores brasileiros. A decisão agradou o mercado, embora ainda gere dúvidas quanto à previsibilidade da política fiscal do governo.

Tensão entre Fazenda e Banco Central

A falta de diálogo prévio com o Banco Central (BC) também gerou desconforto nos bastidores de Brasília. O ministro Fernando Haddad afirmou que o aumento do IOF não foi discutido com a autoridade monetária, o que reforça a crítica de que a medida foi precipitada. A ausência de coordenação entre Fazenda e BC levanta preocupações sobre a condução integrada da política econômica, especialmente em um cenário de alta dos juros internacionais e volatilidade cambial.

Pressão política e comunicação pública

O vazamento precoce das medidas antes de sua formalização também gerou ruído político. Parlamentares da base e da oposição criticaram a forma como a nova alíquota do IOF foi divulgada à imprensa, sem que houvesse clareza sobre seus impactos. A comunicação truncada, associada à reação negativa dos mercados, obrigou o governo a agir rapidamente para evitar danos maiores à sua credibilidade econômica.

A reunião de emergência no Planalto, que selou o recuo, foi marcada por discussões intensas sobre os riscos de um agravamento da crise fiscal caso a medida fosse mantida. Sem a presença de Haddad, coube a técnicos da Fazenda e a assessores diretos do presidente Lula costurar a solução adotada.

O que permanece do novo decreto do IOF

Apesar do recuo em relação a fundos e remessas para o exterior, parte do plano original permanece em vigor. A nova regulamentação prevê mudanças nas alíquotas do IOF em operações de crédito, com impacto direto sobre empréstimos a empresas e operações de leasing. A intenção da equipe econômica é que essas mudanças possam, ainda assim, contribuir para aumentar a arrecadação sem comprometer a estabilidade dos mercados.

Entretanto, o governo precisará apresentar alternativas para cobrir a expectativa de arrecadação frustrada com o recuo. A diferença de cerca de R$ 20 bilhões pode pressionar o cumprimento das metas fiscais estabelecidas para os próximos dois anos.

Contexto fiscal e os desafios da meta de déficit zero

A tentativa de aumentar a arrecadação com o IOF faz parte de um esforço mais amplo para cumprir a meta de déficit primário zero em 2025, uma das principais bandeiras da equipe de Fernando Haddad. Com o congelamento de R$ 31,3 bilhões em despesas anunciado horas antes do episódio do IOF, o governo já vinha demonstrando dificuldade para equilibrar receitas e despesas sem comprometer investimentos públicos e programas sociais.

Com o recuo parcial, o desafio se torna ainda maior. Especialistas apontam que, sem novas fontes de arrecadação, será difícil atingir a meta fiscal, especialmente em um ambiente de crescimento econômico moderado e juros elevados.

Entre o ajuste fiscal e a estabilidade do mercado

O episódio do IOF escancara a dificuldade do governo em equilibrar responsabilidade fiscal e sensibilidade de mercado. A tentativa de aumentar impostos sem articulação política e sem diálogo com o setor produtivo mostrou-se desastrosa, exigindo recuo em menos de 24 horas. Ainda que parte das mudanças se mantenha, a lição que fica é a importância de previsibilidade e comunicação clara em políticas que impactam diretamente o humor dos investidores e o desempenho da economia.

Para o investidor e o empresário, a manutenção da alíquota de 1,1% nas remessas e a isenção para fundos que investem no exterior são sinais positivos. Já para o governo, o episódio evidencia a necessidade de um plano fiscal mais estruturado, com medidas sustentáveis e menor risco de reação adversa do mercado.