Bebê Reborn: O Fenômeno das Bonecas Hiper‑realistas, a Polêmica nas Redes e o Projeto de Lei no Congresso
Nas últimas semanas, uma nova polêmica tem dominado o debate nas redes sociais e até chegou ao plenário da Câmara dos Deputados: bebê reborn, bonecas hiper‑realistas que imitam recém‑nascidos. As controvérsias vão desde adultos que as tratam como “filhos de verdade”, passando por tentativas de conseguir benefícios públicos exclusivos para bebês, até acusações de desequilíbrio emocional.
Frente ao aumento de vídeos no TikTok e Instagram que mostram pessoas agendando consultas médicas, trocando fraldas e até tentando furar filas preferenciais, o Congresso reagiu com um projeto de lei que prevê multa para quem usar bonecas reborn para obter vantagens indevidas. Mas afinal, o que são essas bonecas, por que despertam tanto fascínio — e tanta polêmica — e qual será o futuro desse mercado artesanal que fatura milhões de reais por ano?
O que é um bebê reborn?
Um bebê reborn é uma boneca artesanal meticulosamente pintada e montada para reproduzir com riqueza de detalhes a aparência de um recém‑nascido. O processo, que teve início em fins dos anos 1990 e se popularizou no começo dos anos 2000, utiliza materiais como vinil de alta qualidade e, em modelos mais sofisticados, silicone sólido, cujo toque se aproxima da pele humana. Cada peça pode custar entre R$ 750 e R$ 9.500, dependendo da técnica, do material e da personalização desejada.
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Estrutura em camadas: a pintura é feita em várias etapas, camada por camada, até a criação de vincos, veias e tonalidades de pele realistas.
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Cabelos fio a fio: existe bebê reborn com cabelos implantados manualmente, geralmente de pelo de cordeiro, que exigem delicadeza e técnica apurada.
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Detalhes adicionais: alguns modelos trazem cordão umbilical em silicone, unhas esmaltadas, cílios postiços e acessórios como “certidão de nascimento”, cartão de vacinas e até dispositivos que simulam batimentos cardíacos ou expulsão de líquidos.
Segundo Daniela Baccan, sócia‑fundadora da Alana Babys (loja e oficina em Campinas/SP), o aprimoramento desses bebê reborn ganhou força nos últimos três anos, impulsionado por novas resinas e pigmentos à prova de sol e umidade. “Hoje, as técnicas permitem reproduzir desde sinais da síndrome de Down até texturas tão sutis que até especialistas têm dificuldade em distinguir do real”, afirma.
O crescimento do mercado e o perfil dos consumidores
Embora parte do imaginário popular associe bebê reborn exclusivamente a colecionadores adultos, a maior parcela das vendas ainda é destinada a crianças. Conforme dados da Alana Babys:
Tipo de modelo | Material | Preço médio | Público-alvo |
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Básico (vinil) | Vinil rígido | R$ 750 – R$ 1.500 | Crianças |
Intermediário | Vinil macio + enchimento | R$ 1.500 – R$ 3.000 | Adolescentes/Colecionadores |
Premium (silicone) | Silicone sólido | R$ 3.000 – R$ 9.500 | Adultos/Colecionadores |
“As crianças gostam dos modelos de vinil, pois são menos sensíveis e suportam brincadeiras mais intensas. Já os colecionadores adultos buscam as versões em silicone, que exigem manuseio cuidadoso e acabam virando peças de exibição”, explica Baccan.
Além da demanda lúdica, há aqueles que veem na reborn uma forma de terapia emocional. Psicólogos apontam que, para alguns, cuidar da doll traz conforto e um sentimento de maternagem ou paternagem, embora não substitua relacionamentos humanos.
A polêmica nas redes sociais envolvendo o tema bebê reborn
O estopim foi uma série de vídeos virais em que adultos:
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Agendam “consultas médicas” para suas reborns em clínicas e laboratórios
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Registram suas bonecas com certidões e cartões de vacina
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Levam as bonecas para passear em parques e shoppings, passeando-as em carrinhos
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Tentam usar assentos preferenciais e filas prioritárias para portadores de bebê de colo
Em resposta, surgiram memes e críticas que variam entre o humor e a preocupação com a saúde mental dos adultos envolvidos. Alguns internautas supõem que os vídeos sejam encenações, feitas apenas para ganhar curtidas e seguidores, enquanto outros se indignam com o possível desvio de recursos públicos caso as tentativas de atendimento sejam reais.
“Me recuso a entrar na pauta do bebê reborn porque, na minha concepção, se tem homem de 40 anos vestindo camiseta do Superman e colecionando action figures, tá mais do que liberado brincar de boneca”, escreveu um usuário no X (antigo Twitter).
Viés de gênero no debate
Parte dos defensores das reborns denuncia um viés machista na crítica à prática, argumentando que coleções de miniaturas de carros, bonecos de ação e videogames são aceitas sem questionamento, enquanto adultos que cuidam de reborns são criticados e rotulados de “doentes”. O debate acabou ampliando para discussões sobre liberdade de expressão, identidade de gênero e normas sociais.
Do TikTok ao Congresso: o Projeto de Lei
Como surgiu a proposta envolvendo bebê reborn
No dia 15 de maio de 2025, o deputado federal José Silva (PSB‑MG) apresentou um projeto de lei que prevê multa de até 20 salários mínimos (aproximadamente R$ 29.400 em maio de 2025) para quem tentar obter, por meio de bonecas reborn, qualquer tipo de benefício, prioridade ou atendimento reservado a bebês de colo. A justificativa do texto é coibir fraudes e proteger direitos dos verdadeiros recém‑nascidos e suas famílias.
“O propósito não é proibir a comercialização das bonecas, mas evitar que pessoas inescrupulosas se valham desse artifício para burlar sistemas públicos e privados”, afirmou o autor da proposta.
Tramitação e perspectivas
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Câmara dos Deputados: o projeto foi recebido e encaminhado para análise na Comissão de Seguridade Social e Família.
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Senado Federal: caso seja aprovado na Câmara, segue para o Senado, onde pode sofrer emendas e ajustes.
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Sanção presidencial: após aprovação nas duas Casas, vai à sanção ou veto do Presidente da República.
Especialistas em Direito Público avaliam que a proposta tem pouco risco de inconstitucionalidade, visto que a Constituição Federal garante à União legislar sobre legislação penal e infrações administrativas. Porém, a aplicação prática da multa dependerá de regulamentação clara sobre como identificar e comprovar o uso indevido de uma bebê reborn.
Há realmente fraudes ou são encenações?
Até o momento, não há comprovação de casos em que indivíduos tenham obtido consultas gratuitas pelo SUS, uso de leitos infantis em hospitais ou acesso a filas preferenciais baseados unicamente em apresentarem uma boneca reborn como se fosse um bebê real. Muitos especialistas e delegados de polícia ouvidos pela reportagem consideram improvável que gestões de saúde e transporte aceitem documentos fictícios sem investigação adicional.
Possibilidades:
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Encenação para viralizar: criadores de conteúdo dispostos a faturar com views e parcerias.
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Brincadeira de recreação: sem intenção real de burlar sistemas.
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Tentativa de fraude real: casos isolados podem ter passado despercebidos; a lei busca coibir esse risco.
Aspectos psicológicos
Psicólogos infantis e clínicos têm visões divergentes:
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Para alguns, é apenas uma forma de hobby ou coleção: similar a colecionadores de action figures, sem qualquer prejuízo à vida social.
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Para outros, pode sinalizar distúrbios de vínculo afetivo: em adultos com carências emocionais ou trauma de perda infantil.
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Terapia de manutenção: em alguns casos, reborns são utilizadas como recurso terapêutico em luto perinatal, auxiliando mães que sofreram aborto ou morte neonatal a elaborarem o luto.
A Dra. Lara Menezes, psicóloga especializada em luto, alerta que o uso de reborns em contexto terapêutico deve ser acompanhada por profissional qualificado: “Sem supervisão, a linha entre ajuda e perpetuação de sofrimento pode se tornar muito tênue”.
Implicações culturais e sociais
O significado de “brincar de mãe”
No Brasil, a imposição social de que apenas mulheres podem ou devem cuidar de bonecas persiste. A popularização dos vídeos com adultos cuidando de reborns reacendeu discussões sobre:
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Estereótipos de gênero: meninos não brincam com bonecas; adultos são “infantis”.
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Saúde mental: embates sobre o que configura comportamento saudável versus sinal de transtorno.
A força do Instagram e TikTok
As plataformas de vídeo curto aceleraram o fenômeno do bebê reborn, pois permitem:
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Alcance global com hashtags populares (#RebornBaby, #BabyReborn, #RebornTherapy).
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Monetização via parcerias com lojas e ateliês de reborn.
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Comunidades de colecionadores que trocam dicas de cuidados, materiais e artistas.
O futuro do mercado reborn
Apesar da polêmica, especialistas do setor veem oportunidades de:
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Regulamentação e certificação: selos de qualidade e garantia de procedência para evitar imitações de baixa qualidade.
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Expansão terapêutica: parcerias com profissionais de saúde mental para uso controlado em luto e transtornos de apego.
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Novas tecnologias: integração de sensores biométricos, realidade aumentada (AR) e aplicativos para acompanhamento de “indicadores vitais” das bonecas.
Segundo projeções da Associação Brasileira de Brinquedos Artesanais (ABBRIN), o segmento de bonecas personalizadas deve crescer até 25% ao ano, atingindo um faturamento de cerca de R$ 150 milhões em 2026. O interesse estrangeiro também aumenta: plataformas de e‑commerce internacionais já importam bebê reborn brasileiras para Estados Unidos, Europa e Oriente Médio.
O fenômeno do bebê reborn vai além de uma simples curiosidade: envolve questões de mercado, direito, saúde mental e dinâmicas sociais. Enquanto parte do público enxerga apenas uma brincadeira ou hobby, outra parte questiona os limites éticos e legais de tratar um bebê reborn como se fosse um bebê real. O projeto de lei em tramitação no Congresso Nacional surge como tentativa de coibir abusos e fraudes, sem, no entanto, proibir a criação, venda ou uso legítimo das reborns. O desenlace dessa história deve impactar não só a indústria artesanal de bonecas, mas também incentivar debates mais amplos sobre liberdade de expressão, normas de gênero e o papel das redes sociais na construção de novas formas de socialização.