Conflito diplomático entre EUA e África do Sul se agrava com visita de Ramaphosa a Trump

EUA e África do Sul em rota de colisão: escalada de tensão marca visita de Ramaphosa a Trump

Conflito diplomático entre EUA e África do Sul se intensifica em meio a acusações, sanções e disputas sobre leis de desapropriação e igualdade racial

O cenário geopolítico internacional foi novamente sacudido nesta quarta-feira com a visita do presidente da África do Sul, Cyril Ramaphosa, ao ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump. O encontro ocorre em um momento delicado, marcado por fortes tensões diplomáticas entre as duas nações, motivadas por acusações unilaterais, mudanças legislativas na África do Sul e repercussões de posicionamentos históricos nos fóruns internacionais.

Desapropriação de terras e a polêmica do “racismo reverso”

O centro da controvérsia está em uma lei sul-africana de desapropriação de terras, atualizada em janeiro, que reacendeu debates sobre reparações históricas, direitos de propriedade e justiça social. Segundo o governo sul-africano, trata-se de uma revisão normativa iniciada em 1975, com o objetivo de garantir que terras abandonadas ou improdutivas possam ser destinadas a funções de utilidade pública. O ponto mais controverso é a possibilidade de desapropriação sem compensação financeira, desde que o Estado julgue o uso inadequado ou inexistente.

A nova legislação foi interpretada de forma polêmica por Donald Trump, que classificou o movimento como uma forma de “racismo reverso” contra a minoria branca do país. O ex-presidente norte-americano foi além e, sem apresentar evidências concretas, acusou o governo de Ramaphosa de praticar “genocídio contra brancos”.

Tensões históricas e o fator Israel

As relações entre os dois países, que já vinham se deteriorando desde a administração Biden, ganharam novos contornos após a África do Sul mover uma ação contra Israel na Corte Internacional de Justiça (CIJ). A medida incomodou profundamente Washington, dado o forte vínculo estratégico entre os EUA e Tel Aviv. A acusação sul-africana de genocídio contra o governo israelense, motivada pelas ações militares em território palestino, foi vista como uma afronta direta à diplomacia americana no cenário global.

A CIJ respondeu ordenando que Israel adotasse medidas concretas para conter mortes e evitar a incitação ao genocídio — um posicionamento que criou um ambiente ainda mais instável entre Washington e Pretória. A iniciativa da África do Sul, considerada corajosa por alguns setores internacionais, foi classificada por analistas americanos como provocativa e diplomática.

Retaliações americanas: sanções e expulsões

Em fevereiro, o governo dos Estados Unidos reagiu com vigor ao posicionamento sul-africano. Entre as medidas adotadas, destaca-se o corte de financiamento destinado a projetos conjuntos. Em março, a retaliação escalou com a expulsão do embaixador sul-africano em Washington, declarado persona non grata. Essa decisão foi recebida com indignação por parte do governo sul-africano, que viu na medida uma tentativa de intimidação geopolítica.

Mais recentemente, o governo norte-americano concedeu status de refugiado a 59 sul-africanos brancos, sob a alegação de perseguição racial. A medida reforçou a narrativa propagada por Trump sobre a existência de racismo institucionalizado contra brancos na África do Sul, ainda que sem embasamento em dados objetivos ou comprovação por órgãos internacionais.

A resposta diplomática sul-africana

Diante das acusações e medidas unilaterais dos Estados Unidos, o governo da África do Sul optou por uma postura diplomática e cautelosa. Porta-vozes da presidência sul-africana reiteraram que não há qualquer tipo de perseguição racial institucionalizada no país e que a retórica alarmista não condiz com a realidade local.

Segundo a administração de Cyril Ramaphosa, o foco da visita oficial aos EUA será manter um diálogo aberto e construtivo. A comitiva sul-africana espera restabelecer canais diplomáticos estáveis e preservar as relações comerciais, que são essenciais para ambos os países. O comércio bilateral movimenta bilhões de dólares anualmente e envolve setores estratégicos como mineração, tecnologia, infraestrutura e agricultura.

Pressões sobre empresas americanas na África do Sul

Durante a visita, fontes ligadas à delegação americana indicam que Trump deverá pressionar o governo de Ramaphosa a isentar empresas norte-americanas de exigências regulatórias locais. Especificamente, há a intenção de flexibilizar as regras que impõem a participação acionária de no mínimo 30% de grupos historicamente desfavorecidos — majoritariamente pessoas negras — nas empresas que operam no território sul-africano.

Essa legislação faz parte da política de ação afirmativa adotada no pós-apartheid e tem sido considerada vital para a correção de décadas de desigualdade estrutural. A tentativa de alterar esse marco legal é vista por muitos analistas como uma interferência direta nos assuntos internos da África do Sul e levanta preocupações quanto à soberania nacional.

O pano de fundo do apartheid e suas consequências

Entender o atual conflito diplomático entre EUA e África do Sul exige retornar à história recente do país africano. O apartheid, regime de segregação racial que vigorou entre 1948 e 1994, deixou marcas profundas na sociedade sul-africana. Durante esse período, a população negra foi sistematicamente excluída de oportunidades econômicas, políticas e sociais.

Com o fim do apartheid, o país se viu diante do desafio de reparar essas injustiças históricas. A política de Black Economic Empowerment (BEE) — ou Empoderamento Econômico Negro — foi criada justamente para isso. As leis de participação acionária mínima são parte essencial dessa estratégia. Ao tentar forçar uma isenção para empresas americanas, Trump não apenas pressiona o governo sul-africano, mas questiona toda uma política nacional de reconstrução.

Conflito diplomático entre EUA e África do Sul: o que esperar

A reunião entre Trump e Ramaphosa pode ser decisiva para os rumos das relações entre as duas nações. Especialistas em política internacional alertam que o momento é crítico. Caso os Estados Unidos insistam em medidas unilaterais e pressionem por isenções legais que beneficiem apenas seus interesses, é possível que a África do Sul reaja com contramedidas, incluindo restrições comerciais, revisão de acordos bilaterais e aproximação com outros blocos econômicos, como os BRICS.

Por outro lado, uma condução diplomática baseada no diálogo e respeito mútuo pode servir para reverter o clima hostil que se instalou desde 2023. As próximas semanas serão decisivas, e a visita de Ramaphosa aos Estados Unidos pode representar tanto uma oportunidade de reconstrução quanto o marco de um novo período de afastamento.