STF avalia cobrança de Imposto de Renda sobre doação em vida e abre precedente decisivo para o planejamento sucessório no Brasil
Doação em vida e os desafios da tributação no Brasil
O Supremo Tribunal Federal (STF) está diante de uma decisão que pode redefinir o futuro do planejamento sucessório no país: a cobrança do Imposto de Renda sobre doação em vida, especialmente quando há valorização do bem doado. A pauta, que voltou à mesa dos ministros em 2025 com repercussão geral, pode afetar diretamente milhares de famílias brasileiras que utilizam a antecipação de herança como forma legítima de organizar seus patrimônios.
A prática da doação em vida, também chamada de adiantamento de legítima, é comum entre pessoas que desejam evitar longas disputas judiciais e garantir uma transição patrimonial eficiente. No entanto, a Receita Federal sustenta que, nos casos em que há valorização dos bens, a diferença entre o valor original e o valor de mercado no momento da doação deve ser considerada ganho de capital, e, portanto, sujeita ao Imposto de Renda.
Essa tese, no entanto, é fortemente contestada por tributaristas e por quem argumenta que a doação não gera acréscimo patrimonial, e sim uma perda para o doador. Essa divergência culminou na judicialização do tema, hoje em análise pela mais alta corte do país.
Ganho de capital ou perda patrimonial? Entenda o ponto central da controvérsia
Para compreender o que está em jogo, é necessário entender o conceito de ganho de capital. Ele ocorre quando um bem é transferido e há diferença entre o valor original de aquisição e o valor de mercado atual. Um exemplo prático é o de um pai que adquiriu um imóvel por R$ 100 mil anos atrás e, hoje, decide doá-lo ao filho. Se esse bem passou a valer R$ 500 mil, a Receita Federal entende que a diferença de R$ 400 mil é passível de tributação via Imposto de Renda.
Contudo, esse entendimento é questionado, pois muitos defendem que a doação representa uma diminuição patrimonial, sem gerar acréscimo econômico para o doador. Além disso, a operação já está sujeita ao ITCMD (Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação), um tributo estadual. A soma desses dois tributos é considerada, por muitos, como uma forma de bitributação, algo que é expressamente vedado pela Constituição Federal.
O papel do ITCMD na doação e os riscos de bitributação
Atualmente, o ITCMD é o imposto devido por quem recebe um bem por doação ou herança. As alíquotas variam entre os estados e, em locais como São Paulo, atingem 4% sobre o valor de mercado do bem transferido. O contribuinte do ITCMD é o donatário, ou seja, aquele que recebe a doação.
Já a cobrança do Imposto de Renda sobre doação, como deseja a Receita Federal, incidiria sobre o doador — no caso, a pessoa que está transferindo o bem. A consequência direta disso é que o mesmo ato jurídico — a doação — passaria a ser tributado em duas pontas distintas: pelo estado (via ITCMD) e pela União (via IR), o que reforça a tese da bitributação.
A ausência de uma posição definitiva sobre o tema gera insegurança jurídica, especialmente para famílias que realizam planejamentos patrimoniais de longo prazo, e para advogados tributaristas que buscam garantir a conformidade fiscal dos clientes.
A jurisprudência do STF e o impacto da repercussão geral
O STF já havia sinalizado, em outubro de 2024, que não incide Imposto de Renda sobre doações realizadas por adiantamento de legítima, desde que o doador não receba nenhum tipo de contraprestação financeira. A decisão foi unânime, indicando que a Corte tende a interpretar a doação como uma movimentação patrimonial sem natureza de renda ou lucro.
No entanto, a reabertura do caso em 2025, agora com repercussão geral reconhecida, indica que o tema será decidido de forma definitiva, com efeito vinculante para todo o Judiciário brasileiro. Isso significa que a decisão final impactará todas as instâncias da Justiça, obrigando juízes e tribunais a seguirem o posicionamento da Corte Suprema.
Efeitos práticos para famílias e planejamentos patrimoniais
A definição do STF terá impactos imediatos e profundos. Se o Imposto de Renda sobre doação for considerado constitucional, cada doação precisará ser avaliada caso a caso. Imóveis antigos, participações societárias, investimentos em bolsa e outros ativos suscetíveis à valorização exigirão apurações detalhadas de ganho de capital.
Tributaristas alertam que, nesse cenário, o planejamento sucessório precisará incluir análises fiscais complexas e possíveis custos adicionais, o que pode tornar o processo mais caro e burocrático. Isso também abrirá espaço para contestações judiciais, mandados de segurança preventivos e maior demanda por consultorias especializadas.
Por outro lado, se o STF decidir pela inconstitucionalidade da cobrança de IR sobre doações, haverá um alívio para milhares de famílias que já realizaram esse tipo de operação, bem como para aquelas que planejam organizar a sucessão de bens nos próximos anos.
Modulação dos efeitos: um ponto crucial no julgamento
Independentemente do mérito da decisão, especialistas avaliam que o STF poderá modular os efeitos do julgamento. Isso significa estabelecer a partir de qual data a decisão passa a valer. Uma eventual cobrança de IR, por exemplo, pode ser aplicada apenas para doações realizadas após a publicação da decisão, protegendo contribuintes que agiram de boa-fé com base em interpretações jurídicas anteriores.
Essa possibilidade é vista como fundamental para evitar autuações retroativas e penalidades fiscais injustas. O julgamento, portanto, não apenas definirá a legalidade da cobrança, mas também poderá criar salvaguardas jurídicas para quem já realizou doações no passado.
O que os contribuintes devem fazer enquanto aguardam a decisão
Enquanto o julgamento não é finalizado, advogados recomendam cautela. Contribuintes devem documentar minuciosamente todas as doações realizadas, com laudos de avaliação, escritura pública, registros em cartório e declarações de Imposto de Renda detalhadas. Além disso, é prudente considerar ações judiciais preventivas para garantir segurança jurídica caso o Fisco venha a autuar o doador com base no ganho de capital.
Essa estratégia é especialmente válida para doações de bens com valor expressivo, como imóveis em áreas urbanas valorizadas, ações de empresas ou quotas de sociedades familiares.
A decisão do STF moldará o futuro do planejamento sucessório no Brasil
O julgamento do Imposto de Renda sobre doação representa mais do que uma discussão técnica sobre incidência tributária. Ele define os limites da atuação do Estado sobre o patrimônio das famílias, além de impactar diretamente a forma como o planejamento sucessório é estruturado no Brasil.
A decisão também poderá influenciar projetos legislativos futuros, pressionando o Congresso Nacional a estabelecer regras mais claras e coerentes para o tratamento fiscal das doações e heranças, áreas que hoje apresentam muitas lacunas e interpretações divergentes.
Diante disso, famílias com grande patrimônio e advogados especializados devem acompanhar atentamente o desenrolar do julgamento, pois ele poderá redefinir práticas estabelecidas há décadas no Brasil.