Poucas horas antes do fim do prazo para a entrada em vigor de novas tarifas, o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, acabou ontem com a esperança de um possível acordo ou margem de negociação com seus principais parceiros e redobrou a aposta na guerra comercial.
As medidas protecionistas estão previstas para entrar em vigor hoje, afirmou o republicano.
— Não há espaço para acordo com Canadá e México — afirmou, em entrevista na Casa Branca, após sinais contraditórios de integrantes do governo, que viam a possibilidade de algum tipo de negociação. — Está tudo certo. As tarifas entram em vigor amanhã (hoje).
Com isso, a partir de hoje, produtos de Canadá e México que entram nos EUA terão tarifas de 25% sobre seu valor. Ontem, Trump também assinou ordem executiva que dobra a tarifa de produtos chineses para 20%, com o argumento de que Pequim não “tomou medidas adequadas” para conter o fluxo do opioide fentanil para os EUA.
— O que eles precisam fazer é construir suas fábricas de automóveis e outras coisas nos EUA, e aí não terão tarifas — disse Trump a jornalistas na Casa Branca ao comentar o aumento de taxas.
As medidas prometidas por Trump, que misturam motivações protecionistas e geopolíticas, afetam a economia dos três principais alvos de hoje do republicano (China, México e Canadá), mas também dos próprios Estados Unidos.
Americanos terão de pagar mais por produtos importados desses três países, que estão entre os maiores parceiros comerciais do país dirigido por Trump, num processo que também estimula os preços de produtos nacionais e alimenta a já persistente inflação.
Bolsas ‘acordam’ e caem nos EUA
Os mercados financeiros nos EUA, que já davam sinais de tensão com a expectativa de aprofundamento da guerra comercial, aumentaram as perdas após as declarações de Trump ontem. A Nasdaq, bolsa que concentra empresas de tecnologia, caiu 2,2%. O índice Dow Jones teve queda de 1,5% enquanto o S&P recuou 1,8%.
Como resumiu Josh Lipsky, diretor sênior do Centro de GeoEconomia do Atlantic Council: “os mercados acordaram para o fato de que Trump leva as tarifas a sério”.
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A preocupação dos investidores é que o afã tarifário de Trump afete o desempenho de uma economia que já começa a dar sinais de tensão. Ontem, foi divulgado o Índice de Gerentes de Compras, um dos primeiros indicadores a refletir o “choque operacional” do primeiro mês de Trump.
O resultado mostrou que a expansão incipiente da indústria americana perdeu fôlego à medida que a ameça de tarifas contribuiu para o aumento de preços. Os entrevistados citaram alta de custos dos fornecedores, elevação dos preços dos produtos e preocupação com a inflação.
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“É hora de ficar nervosa”, disse Callie Cox, da Ritholtz Wealth Management. “Não pessimista, mas nervosa. Embora não haja evidência para pensar que estamos à beira de uma queda profunda, a economia está mudando rapidamente. As manchetes são tão implacáveis que as pessoas não sabem o que fazer.”

Na véspera da confirmação de Trump, o megainvestidor Warren Buffett alertou que, ao longo do tempo, as tarifas elevam os preços para os consumidores, já que aumentam os impostos sobre importações e encarecem produtos, afirmou em entrevista à CBS: “As tarifas são, na verdade, um ato de guerra, de certa forma”, resumiu.
Em um sinal do cenário para o qual os americanos se preparam e do impacto na cadeia de suprimentos, um estudo divulgado ontem pelo Anderson Economic Group estima que as tarifas para México e Canadá podem levar a um aumento de até US$ 12 mil nos preços dos automóveis, já que os fabricantes não devem conseguir evitar o repasse ao consumidor final.
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O dólar se enfraqueceu em relação ao euro. No mercado de ações europeu, o dia foi de alta, com destaque para ações de empresas de defesa, diante das preocupações no continente com a elaboração de um plano de paz entre Rússia e Ucrânia.
Risco econômico alto para Sheinbaum

Para o México, a política comercial de Trump traz riscos enormes para a economia. A meta do México de crescer rapidamente atraindo estrangeiros e aumentando as exportações para os EUA já havia começado a enfraquecer antes mesmo de Donald Trump retornar à Casa Branca. Agora, todo o plano de nearshoring (atrair indústrias com foco no mercado americano) corre o risco de desmoronar se o presidente dos EUA cumprir a promessa de impor pesadas tarifas sobre os produtos mexicanos.
— A incerteza reina aqui — disse Mario Galindo, chefe comercial da Prommont, que fabrica grandes caixas e plataformas para ajudar empresas a transportar seus produtos.
A empresa, que atende clientes nos EUA e no México, está abrindo mão de aumentos de preços e reduzindo margens de lucro para manter os clientes.
A mudança repentina nas perspectivas da segunda maior economia da América Latina não só obscurece o governo de cinco meses da presidente Claudia Sheinbaum, mas também sinaliza uma oportunidade perdida para o México se libertar de décadas de crescimento lento.
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Entre 1980 e 2022, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu pouco mais de 2% ao ano, em média, segundo o Banco Mundial. Uma onda de investimentos de nearshoring impulsionou o crescimento econômico para mais de 3% em 2022 e 2023, levando muitos investidores a acreditar que o México estava entrando em um período sustentado de expansão ainda maior — um que poderia permitir ao país superar consistentemente seus pares latino-americanos nos próximos anos.
Quando Sheinbaum assumiu o cargo em outubro, as perspectivas econômicas do México já estavam se deteriorando. As estimativas de crescimento para 2025 caíram para menos de 1%, pois os investidores esperavam cortes no orçamento necessários para corrigir um crescente déficit fiscal herdado.
Ontem, Claudia Sheinbaum disse que seu governo prevê planos de contingência caso seu colega americano, Donald Trump, imponha tarifas sobre as importações mexicanas a partir de terça-feira, conforme prometeu.
— Seja qual for a decisão, temos um plano — disse a presidente durante sua habitual entrevista coletiva matinal. — Há uma comunicação constante com as diferentes áreas, tanto de segurança quanto de comércio, e vamos esperar para ver o que acontece. Precisamos ter compostura, serenidade e paciência.
Canadá tem alívio na energia, mas vai retaliar

As tarifas que entram em vigor hoje são as mais abrangentes da era Trump e representam US$ 1,5 trilhão em importações anuais. No caso do Canadá, produtos do setor de energia, como petróleo bruto e gás natural, serão exceção, com taxa de 10%.
O Canadá, do primeiro-ministro Justin Trudeau, planeja responder com taxas sobre US$ 20,6 bilhões em produtos de exportadores dos EUA, como suco de laranja, pasta de amendoim, vinho e café, além de taxas sobre carros, caminhões, aço e produtos de alumínio, segundo a ministra das Relações Exteriores do Canadá, Mélanie Joly:
— Se os EUA decidirem iniciar sua guerra comercial, estaremos prontos. Não estamos procurando por isso. Não estamos buscando isso.
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Doug Ford, premiê de Ontario, fez nova ameaça ontem, a de cortar as exportações de níquel para a indústria americana. O líder da província canadense afirmou que seu governo obrigaria lojas de bebidas a retirarem das prateleiras produtos americanos.
Pesquisas mostram que, desde que as ameaças de Trump começaram, canadenses evitam produtos americanos e até compras on-line na varejista americana Amazon.
China pode aprofundar estímulo interno

O governo de Xi Jinping está considerando medidas retaliatórias sobre produtos agrícolas e alimentícios americanos em resposta às tarifas de Donald Trump, de acordo com o Global Times, veículo usado ocasionalmente para sinalizar a visão chinesa.
A China também disse que os EUA deveriam se concentrar em “reduzir a demanda doméstica de drogas” e aumentar a aplicação da lei para conter o uso doméstico de fentanil.
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“O aumento unilateral das tarifas pelos EUA viola seriamente as regras da Organização Mundial do Comércio (OMC) e é um ato típico de unilateralismo e protecionismo comercial”, disse a Embaixada da China em uma declaração escrita.
O anúncio de tarifas dobradas de Trump entra em vigor na véspera do Congresso Nacional do Povo, em Pequim, na quarta-feira. Analistas ouvidos pela Bloomberg avaliam que autoridades chinesas devem fixar uma meta de crescimento de 5%.
A China, que cresceu nas últimas décadas com forte componente exportador, tem tido dificuldades de aquecer o seu mercado consumidor interno. Com as barreiras de Trump ao maior mercado do planeta, o tema fica mais urgente. O presidente Xi Jinping prepara plano de estímulo à economia chinesa enquanto guerra comercial ganha fôlego.
A expectativa é que, com as tarifas, o país reforce ainda mais medidas de estímulo para o consumo ou a aposta no setor de tecnologia, especialmente após o impacto do lançamento da IA DeepSeek, para atingir as metas que serão traçadas pelo congresso que estabelece os principais planos da segunda maior economia do mundo.
Contraditoriamente, aceno para Argentina

Em outra frente, Trump afirmou, segundo o La Nación, que consideraria negociar um acordo de livre comércio com o governo de Javier Milei, na Argentina. E se referiu ao presidente argentino como “um grande líder”, ao ser perguntado sobre essa possibilidade.
A afirmação foi feita em resposta a uma pergunta do jornal argentino La Nación. Javier Milei já afirmou que gostaria de um tratado de livre comércio com os EUA de Trump, mas já admitiu que não pode fazê-lo isoladamente por causa do Mercosul.
A Argentina integra o bloco sul-americano com Brasil, Uruguai e Paraguai. O grupo não permite que seus membros negociem tratados bilaterais, somente em bloco, como no caso do acordo do Mercosul com a União Europeia.